terça-feira, 7 de setembro de 2010

O Pasto Incendiado

Foto: Tiago Calazans

O compositor Danial Guanais, que teve sua Primeira Sinfonia executada pela Sinfônica da UFRN no último sábado, durante a MIMO 2010, gentilmente enviou todos os textos utilizados na obra: os do livro apócrifo de Adão e Eva e os poemas selecionados de Ariano Suassuna. Escolhemos um dos poemas do escritor paraibano especialmente pra você.

***

O castigo do Corpo e seu mistério,
o queixume do sangue e seu Fascínio.
Que sentido há na Carne rebelada,
que Nobreza de sangue e Confusão?


Os Arcanjos alados, que esvoaçam
seu silêncio de Brasa e sua espada,
choram talvez, na Sede apaziguada,
a ausência de meu Corpo enfurecido:
pois a Carne contém culpas Sagradas,
ecos de amor, de Sono e algum olvido,
e guarda, sob a Relva e o monte fulvo,
o desejo do Tempo e o Odor da morte.


mas não procures nela o que não tem.
Ali só há Colina e sangue espesso,
palpitação do Pássaro, agonia
o desejo do Tempo, o Sol sem preço,
a Relva que no Dardo se incendeia, [e a relva que no Fruto se incendeia]
o sonho que é do Fim e do Começo.


As águas não habitam nenhum ventre:
sangue possuído, ou sangue derramado
e tenha embora as Margens e o murmúrio,
não procures as águas noutro Sangue.
Sejas mulher, ou guardador de cabras,
o Ventre aberto, e o sangue descerrado
devolverão na treva o teu Gemido
e o Negro Gavião da soledade
é tudo o que no Ventre hás de alcançar.

O Pasto Incendiado, de A Fêmea e o Macho (Terceira parte do poema O Cego e o Mundo)

Ariano Suassuna

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